sábado, 15 de maio de 2010

O TEATRO E A RUA EM TRÊS MOVIMENTOS

Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua

O TEATRO E A RUA EM TRÊS MOVIMENTOS DE ENCONTRO PELO BRASIL

I Encontro – São Paulo/SP

De 20 a 26 de abril V Mostra Latino-americana de Teatro de Grupos da Cooperativa Paulista de Teatro no Centro Cultural São Paulo.

Participei dela com o meu grupo, o Tá Na Rua. Dentro deste evento, assisti ao espetáculo Cidade Desmanche do grupo paulista Teatro de Narradores. O trabalho começa e termina na rua. Ao chegar ao local os espectadores são recepcionados em um boteco; acomodados em cadeiras e mesas de plástico vermelhas; ganham uma cerveja estupidamente gelada e uma porção de salame cortado bem fininho. Dali, é possível olhar o prédio de três andares do outro lado da rua de onde uma música do rei Roberto Carlos começa a tocar de uma de suas varandas. Um ator com um megafone começa a falar e um homem, depois uma mulher, se aproximam. “Eu voltei, voltei para ficar... porque aqui, aqui é o meu lugar”, canta Roberto. O casal dança, depois separam. Tudo no meio do asfalto. Carros passam, táxi, moto, ônibus. Eles dançam. Roberto canta. A mulher entra no prédio e o público é orientado a seguí-la. Nos quartos e salas dos três andares cenas se sucedem e o público faz o tour acompanhando os atores e seguindo as instruções dos assistentes de produção. Após uma hora e meia subindo escadas e passando por corredores, chegamos ao terraço do edifício onde a cena final é olhar para baixo e ver o ‘nosso botequim ‘ com seus ‘habitués’ funcionando normalmente. A cena final é um fusca saindo com o protagonista e sumindo no trânsito da cidade. No outro dia, o Tá Na Rua recebeu um convite para assistir ao espetáculo da Companhia São Jorge de Variedades que apresentava uma adaptação do texto de Heiner Müller QUEM NÃO SABE MAIS QUEM É, O QUE É E ONDE ESTÁ, PRECISA SE MEXER, que também recebia o público na rua da sua sede, na Santa Cecília, com quatro personagens que convidavam/guiavam todos por um passeio por um quarteirão do bairro, colando cartazes com dizeres sobre televisão, política, economia, etc. Chamou-nos bastante atenção o diálogo inusitado entre a personagem da “loura” com a porta de ferro do Theatro São Pedro, que exibia o cartaz da ópera A TOSCA, que estava sendo fechada para impedir que a atriz colasse o seu cartaz. O cortejo seguiu a ‘loura’ e ela ia mostrando mendigos, cachorros... e chegamos à porta de uma escola de ensino fundamental que, devido ao horário, todos os alunos estavam ao lado de fora e ajudaram a colar os cartazes nos muros da instituição, se divertindo muito. O tour pela Barra Funda durou aproximadamente uns quinze minutos e quando percebi, estávamos de volta a sede do grupo e usávamos a ‘chave’ distribuída antes da saída para a caminhada para adentrarmos no espaço. Ao fim do espetáculo, mais uma vez os atores saíam para a rua arrastando os espectadores até o boteco da esquina, onde cerveja gelada era fartamente distribuída a todos, em confraternização.

II Encontro – Fortaleza/CE

De 27 a 30 de abril. Oficina de Capacitação da FUNARTE em Fortaleza, Ceará.

Troquei, no Rio de Janeiro, o conteúdo frio da mala paulista por uma leve mochila rumo ao Mucuripe. Fazia 35 graus quando o avião desceu na capital cearense, fui direto para o SESC São Luis, na Praça do Ferreira, Centro. Em uma sala do segundo andar, encontro com 32 pessoas que estudam ou fazem teatro no Ceará. Algumas eu já conhecia de longa data, de outras oficinas, do encontro nos Inhamuns, Aracati ou Canoa Quebrada; outros rostos são novidades.

Eu fora convidado para ministrar a oficina Teatro em Espaço Aberto e dar apoio teórico para os artistas que atuam na modalidade teatro de rua naquela localidade. Conversamos muito, nos apresentamos, fizemos jogos e exercícios. Falamos das atividades que estavam acontecendo na cidade. Por coincidência, além de mim, o Chicão Santos do Teatro Imaginário, de Rondônia estava apresentando o seu trabalho Filhas da Mata, no teatro do SESI, naquela noite; no outro dia, haveria uma palestra de Lindolfo Amaral, do grupo Imbuaça, de Sergipe, em um evento promovido pela UFC no Dragão do Mar sobre a Arte e a Cidade. Ele iria falar sobre o cordel e o teatro de rua; e, por fim, o grupo gaúcho Tribo de Atuadores Oi Nóis aqui Traveis, iria apresentar Mariguela – o Amargo Santo da Purificação, na quinta e na sexta, ali mesmo na praça do Ferreira. A turma resolveu participar destas três novas atividades, estendendo o nosso curso tanto na quantidade, quanto na qualidade. Conversamos com o Chicão e o elenco rondoniense antes e depois do espetáculo; ouvimos a interessante palestra do Lindolfo, o seu poético e belo documentário sobre a literatura de cordel e debatemos com ele os diferentes usos do cordel no teatro; vimos duas vezes o trabalho da trupe do sulista magnetizados pela forma como contam e cantam a história biográfica de Carlos Marighela, a formação da cultura brasileira e o apelo emocionante pela abertura dos arquivos do DOI-CODI que oculta a verdadeira história dos crimes produzidos pela ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1984. Fomos brindados com um bate-papo quase exclusivo com o elenco do grupo e a nossa oficina em nossa sala de trabalho. Já passava das oito e meia da noite de quinta-feira quando paramos de conversar...



III Encontro – Canoas/RS

De 01 a 06 de maio. VII Encontro de Articuladores da Rede Brasileira de Teatro. I Encontro de Articuladores do MERCOSUL. Mostra de Teatro de Rua de Canoas.

Do calor do nordeste, segui direto para o clima ameno de Porto Alegre. Por sorte, a pesquisadora Jussara Trindade (minha companheira) estava indo para o mesmo evento e, solidária, dividiu a sua mala em duas, colocando para mim roupas e agasalhos para que eu suportasse a brusca mudança de temperatura que enfrentaria nos pampas. Encontramo-nos numa tarde linda e ensolarada no parque Brigadeiro Eduardo Gomes, em Canoas-RS, onde já começava o espetáculo do grupo de Passo Fundo. Enquanto assistia, rostos e olhares conhecidos me cumprimentavam com sotaques diferentes. Caras, jeitos, cheiros, cores e peles e todo o Brasil: trilegal, mano, meu, véio, sô, oxentes, xero e uais soavam em meus ouvidos me sorrindo de todas as formas. Durante três dias, vimos diversas formas de se relacionar com o ESPAÇO ABERTO. As gaitas e os tambores me chamavam a atenção: de uma forma ou de outra percebi que todos os coletivos usavam a MÚSICA como um elemento fundamental desta modalidade; outra observação que fiz é em relação ao USO E A DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO ESTÉTICO ou como alguns preferem de representação. Variavam deste a marcação de linhas com a erva-mate do chimarrão, tecidos coloridos imensos, cordas trançadas, palcos de madeira, pernas-de-pau, engenhocas com rodízios, praticáveis que eram montados e desmontados à nossa frente ou simplesmente a utilização da roda formada pelos corpos dos espectadores. Tudo leve (para circular por aí)! As MÁSCARAS e as perucas também eram abundantes (seria uma tentativa de seguir a tradição da comédia dell’arte?): de couro, resina, papel mache ou simplesmente, maquiadas, desenhadas no rosto. Interessante foi perceber que vários atores produziam efeitos visuais e plásticos através do corte de seus próprios cabelos, barbas e cavanhaques, principalmente aqueles que pesquisam a linha circense entre clonws e palhaços. O corpo utilizado como espaço da arte: figurino, cenário, conteúdo, texto, marca, performance do próprio ator... Quase todos, mantiveram a tradição de passar o CHAPÉU nas suas rodas, cada um ao seu estilo: antes, durante e ao fim de suas funções. Cabe aqui ressaltar um comentário do grupo argentino durante o almoço. Ele disse para mim: “- Para nós, passar o chapéu é o pagamento do ingresso do nosso espetáculo! Percebo que aqui no Brasil, muitos brincam com isto, falam “- Eu aceito qualquer coisa, moeda, ticket restaurante, vale-transporte”. Parece que o artista tem vergonha de cobrar pelo seu trabalho. Eu penso que devemos acostumar a platéia a ‘pagar o ingresso’! Entende? ” “ - Entendo”, respondi. E fiquei pensando no assunto que nuestro hermano levantara...

Ah! Teve também, a MERDA do cachorro, a FURADEIRA e o CEGUINHO da gaita gaúcha. Explico. O grupo Manjericão tava num dia daqueles. Assim que chegaram a praça, havia uma barraca desta de plástico branco bem no meio do calçadão de Canoas. Aquelas de campanha da prefeitura para tirar sangue, pressão, documento... sei lá! Aí, eles tiveram que se espremer entre a barraca, uma ilha de orelhões (telefones públicos) e um canteiro com uma palmeira seca com um banco de praça embaixo. Eles chegaram cheios de gás e começaram a apresentar os seus números circenses. A Roda formou. Cheia! De repente, o ceguinho começou a tocar bem alto na esquina um vanerão qualquer, defendendo o pão nosso de cada dia, sem ‘ver’ que estava acontecendo alguma coisa ao seu lado. Enquanto isto, do lado oposto, um funcionário de uma empresa de telefonia qualquer, coloca uma escada, sobe em uma marquise da loja e começa a furar a parede com um barulho agudo daqueles de amolador de facas de antigamente. Os atores pediam para que ele parasse. Ele não ouvia, é claro. A platéia inteira gritou. Aí ele ouviu. Parou e ficou olhando lá de cima os três atores-palhaços desesperados. Eu estava em cima do canteiro, encostado na palmeira seca buscando um bom ângulo para filmar e fotografar o espetáculo. Havia percebido quando subi ali que entre mim e o banco, um monte de merda de cachorro fresquinha. Avisava a todos que viam aquele ótimo lugar vazio e para lá se dirigiam que havia muita merda ali e ninguém deveria subir. Bem, resumo da ópera. Um dos atores, tentando fazer em uma cena de efeito, correu por fora da roda e veio para exatamente em cima do canteiro, atrás de mim. Percebi que ele queria retornar à cena pulando o banco e caindo bem no meio da roda. “Vai pisar na merda”, pensei. Ele ficou contracenando com a atriz e eu tentando avisá-lo para não utilizar aquele caminho. Eu falava: Olha a merda! Aqui tem merda! Por aqui não! Ele nem me olhava! Estava fora de si, desempenhando um doente azul, feliz por ter conseguido pegar um número para ser atendido pelo médico. De repente... prrrrrummmftmmm . De um só movimento, pisou na merda com um dos pés e saltou no meio da roda. Foi merda prá todo lado! Quanto mais ele se movimentava mais sujo ficava o lugar. Sempre ouvi falar da lenda da MERDA no teatro. Que era bom, sinal de sucesso! Acabei de ver esta tradição em Canoas, agora em 2010.

Na segunda-feira, começou o encontro dos articuladores. Apresentações por estado, por ordem alfabética. De São Paulo, tinham onze pessoas, Roraima, três; Espirito Santo uma família inteira + Vera Viana; o Acre levou um montão de rapé, cantoria, embolada, cordel e de gente, também (5); pela primeira vez o centro-oeste apareceu completo na RBTR: GO, DF, MT, MS – se organizaram e acabaram levando o próximo encontro prá lá, pro pantanal. Acho que vai ser bom! O cara do Piauí, perdeu o ônibus, sumiu, apareceu no outro dia com a camisa do Grêmio e se apresentou. Por último falaram os argentinos, a colombiana e a Jussara, pelos pesquisadores. O gaúcho Hamilton falou que iria se retirar porque ia para a audiência pública do PROCULTURA em Porto Alegre. Aí, eu achei que seria um importante fato político, se fossemos todos. O Brasil inteiro lá! Gerou discussão. “ Sim, Não, Não Sei, Sim, Sim, Sim, Sim, Não Sei, Vai a metade!, Metade fica!, Não, Sim, Sim, Sim, É todo mundo ou ninguém!, Sim, Sim”. Fomos todos! Estandartes, faixas, bandeiras, camisetas, ônibus, crianças. Fala um por região. Quem são os cinco? Chicão é norte, Márcio é Sul, Alessandro é sudeste, pelo nordeste, fala o Kuka e o Fernando centro-oeste. Chegou a informação que o Marcelo Bones quer conversar antes da plenária... Fala, Bones! “ Então, uai, eu penso que o PROCULTURA tem quatro mecanismos mas, nenhum deles, tem orçamento garantido, falta mais coisas. Pavanelli: - Um programa!” “Programas para as artes cênicas com orçamento anual!” Disse alguém. Das caixas de som potentes soa o Hino nacional. Começa: “O custo amazônico tem que ser lembrado, foi aprovado na CNC, em Brasília.” É!” “Tem o prêmio teatro brasileiro... ele ainda não está garantido.” “ Apoiamos o PROCULTURA mas somos contra qualquer mecanismo que utilize a renúncia fiscal”. “ É!” “ O fundo setorial de artes Cênicas tem de ser dividido: teatro, música, circo!” “É!”. A cada orador da RBTR que subia à tribuna, a platéia aplaudia. O representante dos produtores de Porto alegre foi vaiado. Saiu fazendo sinal feio, pornográfico prá RBTR. Vaia nele! Centro-oeste falou. Aplausos. Os mais de setenta articuladores da rede saem. Fica um buraco na plenário. “ Marcamos posição, mesmo, ó!”. Ainda teve o pessoal do MinC que conversou com o pessoal da Amazônia legal, pedindo ajuda para divulgar os editais que vão sair prá-quelas bandas de lá. O Fernando aproveitou e comprometeu o MinC e a FUNARTE com o apoio do próximo encontro.

No outro dia, continuamos as apresentações. No intervalo do almoço, algumas reuniões se formaram: pesquisadores, centro-oeste. À tarde a turma do governo apareceu prá falar com a gente: Américo, Vidigal, Bones, Jeferson (Canoas) e outros que não guardei o nome.

No último dia, pela manhã, a coisa ferveu, Ho!, pegou fogo, Ho! Junio Santos gritou, Ho! gente acalmou, Ho! gente gostou, Ho! gente não gostou. Ho! Duas horas para decidir a pauta: a carta? setoriais? fazer teatral? Não, Sim, Não, Sim, Sim, Sim, Ho!, Ho! Ho! Passa a bola! Tem gente que ainda não abriu a boca... Kuka puxou a carta do Acre. Leu aos berros! O povo acalmou. Cristiano pediu para fechar a roda, ficar pertinho. Passa bola! Ho!! Ho! Ho!

Fizemos a carta. Para pro almoço! À tarde reunião do núcleo de pesquisadores; um grupo faz a carta; outro, pensa a estrutura para os próximos encontros. Quatro horas, volta! Reunião! Carta finalizada!

Cortejo pelas ruas. Bonito! Até a praça do bairro, hoje tem espetáculo? Tem sim, sinhô! Tinha! Bando de La Trupe, de Natal-RN. Escureceu na pracinha. O clube de bocha acendeu as luzes; tocou a sirene da escola. Escureceu! Volta todo mundo.

Reunião final: carta do Rio Grande do Sul... APROVADA! Ho! Propostas de estrutura... APROVADAS! Ho! Participação do Núcleo de pesquisadores nos próximos encontros... APROVADA! Ho! Ho! Ho! Ho!

JANTAR! CHURRASCO! PERFORMANCES!

Guadalupe chegou atrasada para mediar o encontro. O show imperdível, não tem preço! Descontrai, junta quem discutiu, sacaneia todo mundo, leite ninho, careca, peituda, chicão, Licko, DJ, Ninguém escapou das observações atentas recolhidas nos seis dias do artista amazonense. Um relatório final dos micos, das besteiras que assolaram o Encontro. Terminou? Não! Eis que surge, ao longe... Senhoras e senhores com vocês, ele, Maurolauropaulo, o incrível homem-banda! Olhos arregalados, incrédulos: um brinquedo? é de verdade? tem que ir prá Lino Rojas!, pro Amazônia em Cena! Terminou, muito obrigado! Mais um, Mais um! Bis! “Ok, Ok, Ok, então se vocês contribuírem aqui com o chapéu... “ E deu o bis! “Todo mundo junto comigo – “ I feel good! Pã,rã,rã,rã,rã!rã! rã!” O cara arrebentou, e foi embora!

Solta o som DJ Luciano! Virou festa! Todo mundo com todo mundo! Ninguém é de ninguém! Festa gaúcha, carioca, nortista, nordestina, paulista, capixaba, da rede brasileira de teatro de rua!

Despedidas! Adeus , amor, eu vou partir...

Viva o teatro de rua!



Licko Turle

Nos Confins do Horizonte

Estamos preparando nosso novo espetáculo. Nos Confins do Horizonte . O espetáculo  é resultante de investigações cênicas e experimentaçõe...